“Um monge descabelado me disse no caminho: “Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha idéia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas de um homem debaixo de uma ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. (O olho do monge estava perto de ser um canto.) Continuou: digamos a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo.” E o monge se calou descabelado.”
-MANOEL DE BARROS
Onde existe amor pouco espaço existe para o orgulho… Tenho dito isso desde que me converti… E vivido isso conforme o possível. Acrescento que a violência do abandono reflete um traço de orgulho oculto, quase nunca relevado, e que isso sim é causa de tantas pontes queimadas.
Como Manoel de barros disse, o abandono não se trata apenas de uma criança num cubículo, ou de um gato num beco… o abandono tambem pode ser o de uma palavra por exemplo. Digamos a palavra amor. A palavra amor já se encontra praticamente vazia; já não há mais ninguém dentro dela.
Acredito que a ciranda da vida nos leva para longe e perto, em ciclos, conforme a afinidade, pontos de convergência ou em comum, especialmente pela volatilidade dos anseios e do humor dos seres humanos; também acredito que pela inércia da sociedade contemporânea, dita pós-moderna, a sede pelo novo faz com que sempre novos amigos parecam melhor do que os antigos, que novos conceitos matem os antigos… e ai então vive-se naquele conformismo secular, onde o tempo corrói os valores das pessoas, valores estes morais e espirituais… e ai não só as unidades monetárias sofrem inflação, mas também os, assim chamados, relacionamentos.
Tão certo quanto o abandono da própria palavra Amor, é também a falta de compreensão acerca do que é amor. Me refiro neste momento ao amor fraternal que deveriamos exercer, sendo nós seguidores do Cristo. Temo que a palavra amigo também tenha sido evacuada. Então para preencher a lacuna em nossas vidas, tomamos por amigos, pessoas que tão somente conhecemos, ou mesmo coisas. No caso destas tais coisas, percebo que muitos se apegam a um urso de pelúcia, por saberem que ele lhes dará ouvidos sem que responda julgando ou acusando tais indivíduos de serem invariavelmente pecadores (e há quem diga, entre nós humanos, que não o é?!) . Sabemos que “por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará.” (Mateus 24:12) Sabemos que têem se esfriado. Sabemos que a palavra “empatia”, que de forma simples, significa chorar com quem chora; e também se alegrar com quem quem se alegra. Tanto no extremo da apatía da fé, como no extremo da religiosidade, é quase impossível praticar tal conceito, uma vez que, respectivamente, em um não se ajuda a carregar o fardo, no outro existe uma espécie de aversão à alegria, não permitindo ao indivíduo alegrar-se com quem se alegra.
Sabemos que “o homem que tem muitos amigos pode congratular-se, mas há amigo mais chegado do que um irmão.” (Provérbios 18:24) e isso nos conforta. Nosso bom pastor é Cristo, e nós andamos como Ele, quer dizer, tentamos todos os dias. Mas sabemos também Deus não criou o homem para ser só, e aqui me refiro, sim, às pessoas, de uma forma geral. Nós precisamos uns dos outros. Hoje criam-se não só novos bárbaros, mas também novos hermitões, fechados em bolhas, sem contato com o mundo exterior, sem contato com sentimentos de outros, sem contato com outro. Jesus, diferentemente dos doutores da lei, andava com pessoas sem fazer ascepção delas. Isso tanto revela o Amor dEle, bem como a firmeza de caráter, que obviamente tinha por ser Deus, mas que no Cristo homem era traço presente. Ele não deixaria que alguém que fosse a Ele, de coração aberto, voltasse como chegou. Ele deu Sua vida em nosso favor.
“Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos. Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando. Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer.” (João 15:13-15)
Olhando para nós mesmos, temos sido bons amigos? Poderia Cristo nos chamar de amigos? Podemos dizer que a palavra “AMOR” não é vazia em nossas vidas? Francamente, amor que não se torna amizade nunca foi amor, e vice-versa. A minha esperanca é a de que um dia possamos viver com uma certa estabilidade de caráter e ímpeto, para que possamos amar uns aos outros, ao invés de amar dia sim, dia não. Ser amigo dia sim, dia não. Isso independe de humor. Isso depende na verdade e puramente de Amor.
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